sábado, 27 de junho de 2009

Irish Spirit


Na sequência da série O Bom e Velho Rock'n'Roll, segundo A Clockwork Orange, falemos sobre coisas irlandesas. Afinal, esse livrinho que serviu de inspiração ao nome do blog se passa na cidade de Dublin, capital da Irlanda. Além disso, quem não lembra da memorável cena do filme, onde o pobre vekio bêbado cantarolava Molly Malone, até ser interrompido para saciar a sede de diversão e violência de Alex e seus droogs? "In Dublin's Fair City, where the girls are so pretty. I first set my eyes on sweet Molly Malone..."

O bravo povo irlandês sempre se caracterizou pelo bom-humor e pelas piadas, pela rebeldia, pela queda por brigas e pelo elevado apreço por bebidas alcoólicas. A Irlanda nos faz lembrar de James Joyce e Family Guy. Então, como poderia esse blog não prestar homenagem à um povo com tantas virtudes?

A tradição musical irlandesa vem de tempos remotos. A música Celta (um controverso termo designado para classificar as músicas folclóricas da Irlanda e da Escócia) chegou aos Estados Unidos durante sua colonização e tem extrema influência sobre a música Hillbilly e a Country Music. Isso se deve ao massivo povoamento irlandês e escocês no Novo Continente. Os principais instrumentos desta música de raízes milenares são a gaita de fole, a flauta irlandesa, o violino, o acordeão, o bandolin e o banjo.

As primeiras bandas a eletrificar antigas canções populares celtas, como The Dubliners e The Clancy Brothers, podem ser consideradas influentes na origem do Celtic/Irish Punk.

Pois é, camaradas. O bastardo Punk Rock também deu um jeito de incorporar a música Celta. A banda escocesa The Skids, nascida em meio à explosão Punk de 1977, foi provavelmente a primeira a adicionar o tempero celta na música Punk, com o seu álbum Joy, de 1981. Outra banda punk irlandesa (mas estes vindos da tumultuada vizinha Irlanda do Norte) que merece ser lembrada são os Stiff Little Fingers. Conhecidos como o The Clash irlandês, sempre demonstraram um forte engajamento político em suas letras, onde condenavam a forma que irlandeses se matavam em confrontos entre separatistas republicanos (que queriam independência do Reino Unido para se unir à Irlanda) e legalistas (que apoiavam o regime inglês na Irlanda do Norte). No entanto, o SLF nunca foi marcado pela influência sonora da música folclórica irlandesa, fazendo um Punk Rock mais simples e visceral.


Mas foi com o inglês Shane MacGowan e seus The Pogues que essa nova fórmula começou a ser realmente levada a sério. Assim, os Pogues pode ser considerada a primeira banda genuinamente Celtic/Irish Punk. Shane MacGowan, que além da descedência irlandesa, morou alguns anos de sua infância no país, era o típico beberrão desdentado que esperamos que um irlandês seja. Ele diz que bebeu pela primeira vez aos 4 anos. Depois dos anos de glória da banda - que lançou pelo menos dois clássicos do gênero: Red Roses for Me (1984) e Run Sodomy & the Lash (1985) - MacGowan foi mandado embora dos Pogues por comportamento pouco profissional. Mas, ao mesmo tempo que levava um estilo de vida auto-destrutivo, sua bagagem cultural, seu conhecimento sobre história e nacionalismo irlandês, além de uma voz que "tocava o coração e a alma" (segundo o mítico apresentador Jools Holland), lhe proporcionaram o devido respeito e credibilidade no cenário Punk. A partir da música dos Pogues, uma leva de bandas seguidoras do estilo surgiu. The Men They Coudn't Hang, The Tossers, The Mahones...

Foi então formada, em 1996, uma banda norte-americana de descedentes de irlandeses, baseada em Boston e que levou o Irish Punk à um novo patamar, trazendo visibilidade e até mesmo popularidade ao gênero. Os Dropkick Murphys uniram o espírito rebelde e cervejeiro da música irlandesa com os ideais de orgulho da classe trabalhadora e o fanatismo por esportes, além de trazerem um som mais pesado que o de seus antecessores. Em outras palavras, o que os Dropkick Murphys fizeram foi pegar os elementos das primeiras bandas de Irish Punk e adicionar uma pegada Oi! à receita - e, de fato, a devoção à cultura Oi! é publicamente reconhecida pela banda. Surgia assim uma geração de grupos que mostraram a nova fuça, mais agressiva, do Irish Punk atual. Na cola dos Murphys, vieram o Flogging Molly, The Real McKenzies, Blood or Whiskey e Flatfoot 56, entre outras.


Um dos álbuns que melhor captaram a essência do som e do espírito dos Dropkick Murphys é o disco gravado ao vivo durante o St. Patrick's Day, o mais famoso feriado da cultura irlandesa ao redor do mundo. A música I'm Shipping Up to Boston ainda fez parte da trilha sonora do filme The Departed (no Brasil, Os Infiltrados), que trata sobre a máfia irlandesa residente nos Estados Unidos. A banda é formada por torcedores adeptos e fanáticos por seus clubes, algo não tão comum de ser visto nos Estados Unidos quanto o é na Europa e na América do Sul. Eles apoiam os três principais times da cidade de Boston: os Red Sox (baseball), os Boston Celtics (basquete) e os Boston Bruins (hóquei).

Para quem leu até aqui e sentiu um interesse maior não só pelo Celtic/Irish Punk, mas também pela música irlandesa em geral, eu sugiro uma escutada nas coletâneas Irish Drinking Songs e Irish Rebel Songs. A primeira aborda o lado festeiro, briguento e beberrão dos irlandeses, enquanto a segunda traz músicas rebeldes que tematizavam a luta política do povo. As compozições trazem temas como o apoio ao separatismo norte-irlandês, o republicanismo e o triunfo perante os dominadores britânicos. Estes, aliás, são sempre lembrados com os mais diversos e criativos "elogios" nas composições irlandesas.

A questão é: como não adorar um povo que acha que é melhor estar brigando à estar sozinho, que ignora qualquer coisa que não possa beber e que acredita que só não dominou o mundo porque bebem demais?
Eis aqui, então, uma justa homenagem do Musicplusvellocet à um dos povos mais afudês que já pisaram, demoliram pubs e beberam sobre a Terra. Quando tiverem a oportunidade de conhecer o país, o faça sem pestanejar. A hospitalidade irlandesa é famosa e o mundo inteiro a conhece. Exceto, é claro, os malditos ingleses!


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The Pogues - Rum Sodomy & the Lash (1985)
Dropkick Murphys - Live on St. Patrick's Day (2003), parte I
Dropkick Murphys - Live on St. Patrick's Day (2003), parte II
Flogging Molly - Drunken Lullabies (2002)
(VA) Irish Punk Drinking Songs
(VA) Irish Pub Songs
Whiskey in the Jar - 20 Great Irish Drinking Songs (2002), parte 1
Whiskey in the Jar - 20 Great Irish Drinking Songs (2002), parte 2
(VA) Irish Rebel Songs (1963)

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