O bravo povo irlandês sempre se caracterizou pelo bom-humor e pelas piadas, pela rebeldia, pela queda por brigas e pelo elevado apreço por bebidas alcoólicas. A Irlanda nos faz lembrar de James Joyce e Family Guy. Então, como poderia esse blog não prestar homenagem à um povo com tantas virtudes?
A tradição musical irlandesa vem de tempos remotos. A música Celta (um controverso termo designado para classificar as músicas folclóricas da Irlanda e da Escócia) chegou aos Estados Unidos durante sua colonização e tem extrema influência sobre a música Hillbilly e a Country Music. Isso se deve ao massivo povoamento irlandês e escocês no Novo Continente. Os principais instrumentos desta música de raízes milenares são a gaita de fole, a flauta irlandesa, o violino, o acordeão, o bandolin e o banjo.
As primeiras bandas a eletrificar antigas canções populares celtas, como The Dubliners e The Clancy Brothers, podem ser consideradas influentes na origem do Celtic/Irish Punk.
Pois é, camaradas. O bastardo Punk Rock também deu um jeito de incorporar a música Celta. A banda escocesa The Skids, nascida em meio à explosão Punk de 1977, foi provavelmente a primeira a adicionar o tempero celta na música Punk, com o seu álbum Joy, de 1981. Outra banda punk irlandesa (mas estes vindos da tumultuada vizinha Irlanda do Norte) que merece ser lembrada são os Stiff Little Fingers. Conhecidos como o The Clash irlandês, sempre demonstraram um forte engajamento político em suas letras, onde condenavam a forma que irlandeses se matavam em confrontos entre separatistas republicanos (que queriam independência do Reino Unido para se unir à Irlanda) e legalistas (que apoiavam o regime inglês na Irlanda do Norte). No entanto, o SLF nunca foi marcado pela influência sonora da música folclórica irlandesa, fazendo um Punk Rock mais simples e visceral.

Mas foi com o inglês Shane MacGowan e seus The Pogues que essa nova fórmula começou a ser realmente levada a sério. Assim, os Pogues pode ser considerada a primeira banda genuinamente Celtic/Irish Punk. Shane MacGowan, que além da descedência irlandesa, morou alguns anos de sua infância no país, era o típico beberrão desdentado que esperamos que um irlandês seja. Ele diz que bebeu pela primeira vez aos 4 anos. Depois dos anos de glória da banda - que lançou pelo menos dois clássicos do gênero: Red Roses for Me (1984) e Run Sodomy & the Lash (1985) - MacGowan foi mandado embora dos Pogues por comportamento pouco profissional. Mas, ao mesmo tempo que levava um estilo de vida auto-destrutivo, sua bagagem cultural, seu conhecimento sobre história e nacionalismo irlandês, além de uma voz que "tocava o coração e a alma" (segundo o mítico apresentador Jools Holland), lhe proporcionaram o devido respeito e credibilidade no cenário Punk. A partir da música dos Pogues, uma leva de bandas seguidoras do estilo surgiu. The Men They Coudn't Hang, The Tossers, The Mahones...
Foi então formada, em 1996, uma banda norte-americana de descedentes de irlandeses, baseada em Boston e que levou o Irish Punk à um novo patamar, trazendo visibilidade e até mesmo popularidade ao gênero. Os Dropkick Murphys uniram o espírito rebelde e cervejeiro da música irlandesa com os ideais de orgulho da classe trabalhadora e o fanatismo por esportes, além de trazerem um som mais pesado que o de seus antecessores. Em outras palavras, o que os Dropkick Murphys fizeram foi pegar os elementos das primeiras bandas de Irish Punk e adicionar uma pegada Oi! à receita - e, de fato, a devoção à cultura Oi! é publicamente reconhecida pela banda. Surgia assim uma geração de grupos que mostraram a nova fuça, mais agressiva, do Irish Punk atual. Na cola dos Murphys, vieram o Flogging Molly, The Real McKenzies, Blood or Whiskey e Flatfoot 56, entre outras.

Um dos álbuns que melhor captaram a essência do som e do espírito dos Dropkick Murphys é o disco gravado ao vivo durante o St. Patrick's Day, o mais famoso feriado da cultura irlandesa ao redor do mundo. A música I'm Shipping Up to Boston ainda fez parte da trilha sonora do filme The Departed (no Brasil, Os Infiltrados), que trata sobre a máfia irlandesa residente nos Estados Unidos. A banda é formada por torcedores adeptos e fanáticos por seus clubes, algo não tão comum de ser visto nos Estados Unidos quanto o é na Europa e na América do Sul. Eles apoiam os três principais times da cidade de Boston: os Red Sox (baseball), os Boston Celtics (basquete) e os Boston Bruins (hóquei).
Para quem leu até aqui e sentiu um interesse maior não só pelo Celtic/Irish Punk, mas também pela música irlandesa em geral, eu sugiro uma escutada nas coletâneas Irish Drinking Songs e Irish Rebel Songs. A primeira aborda o lado festeiro, briguento e beberrão dos irlandeses, enquanto a segunda traz músicas rebeldes que tematizavam a luta política do povo. As compozições trazem temas como o apoio ao separatismo norte-irlandês, o republicanismo e o triunfo perante os dominadores britânicos. Estes, aliás, são sempre lembrados com os mais diversos e criativos "elogios" nas composições irlandesas.
A questão é: como não adorar um povo que acha que é melhor estar brigando à estar sozinho, que ignora qualquer coisa que não possa beber e que acredita que só não dominou o mundo porque bebem demais?
Eis aqui, então, uma justa homenagem do Musicplusvellocet à um dos povos mais afudês que já pisaram, demoliram pubs e beberam sobre a Terra. Quando tiverem a oportunidade de conhecer o país, o faça sem pestanejar. A hospitalidade irlandesa é famosa e o mundo inteiro a conhece. Exceto, é claro, os malditos ingleses!

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The Pogues - Rum Sodomy & the Lash (1985)
Dropkick Murphys - Live on St. Patrick's Day (2003), parte I
Dropkick Murphys - Live on St. Patrick's Day (2003), parte II
Flogging Molly - Drunken Lullabies (2002)
(VA) Irish Punk Drinking Songs
(VA) Irish Pub Songs
Whiskey in the Jar - 20 Great Irish Drinking Songs (2002), parte 1
Whiskey in the Jar - 20 Great Irish Drinking Songs (2002), parte 2
(VA) Irish Rebel Songs (1963)
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