
Pra começo de coversa, o título A Clockwork Orange vem da expressão cockney (sotaque e tipo suburbano de Londres) "as queer as a clockwork orange” ou “tão estranho quanto uma laranja mecânica”. E toda aquela ultraviolência proporcionada pelas subculturas da juventude britânica e aquele ganguismo charmoso e saudosista, ainda que futurista, realmente aconteceram por toda a Inglaterra durante a década de 1960, especialmente no ano de 1964.
De um lado, os garotos de cabelos bem cortados, montados em lambretas ou vespas, trajando ternos italianos justíssimos, obcecados pelas tendências da moda, viciados em anfetamina e aficcionados pela música negra norte-americana (Jazz, Blues, Rhythm & Blues, a Soul Music) e jamaicana (Bluebeat e Ska). No início, eles eram provenientes de famílias que trabalhavam no ramo dos tecidos, mas logo espalharam-se entre todas as classes econômicas. O símbolo deles era um alvo com as cores do Reino Unido - o mesmo usado pela R.A.F. (Força Aérea Real britânica), Os Mods – abreviação para modernists – e suas preferências dominavam as rádios da Inglaterra naqueles anos. As principais bandas da época, comos os Kinks, os Rolling Stones e Animals - ainda que seus membros nem pudessem ser necessariamente classificados como Mods - expressavam em suas músicas a reverência à música negra dos Estados Unidos. Entre as bandas genuinamente Mods, algumas que merecem menção honrosa são os Small Faces, The Creation e The Action.
Alguns Mods ingressaram em escolas de arte e tornaram-se a ala intelectualizada do movimento. Alguns anos depois, estes (ex)Mods tiveram ligação com a cultura psicodélica da Swingin’London (1968). Outros, no entanto, continuaram nas ruas. Os Hard Mods foram aumentando cada vez mais o gosto por badernas e brigas. Houve um aumento na onda de imigração jamaicana e estes imigrantes passaram a ser vizinhos da classe trabalhadora - e dos Mods rueiros - nas periferias inglesas. Assim se deu o encontro entre a cultura Hard Mod e a cultura dos jovens Rude Boys jamaicanos - que só queriam se parecer com os mafiosos italianos que eles viam nos filmes de Hollywood. Deste encontro, a partir de 1969 começava a surgir a primeira onda skinhead.
Do outro lado estavam os mal-educados Rockers, os selvagens motoqueiros das ruas inglesas. De certa forma, tratava-se da versão inglesa da famosa gangue de motoqueiros norte-americanos Hell Angels. Se caractrizavam pela praticidade ao vestir jeans Levi's, camisetas brancas e jaquetas de couro. Eles tapavam o cabelo de gel e queriam ser como Marlon Brando em A Street Called Desire e James Dean em qualquer filme. Escutavam Elvis, Gene Vincent e Eddie Cochran. Alguns deles faziam parte dos antigos Teddy Boys – uma subcultura inglesa semelhante, só que da década de 1950. Os Rockers eram a antítese dos Mods, já que não se importavam com arte e outras “frescuras intelectuais”. Entre as motos favoritas dos Rockers, estavam a Triumph e a Norton. Eles vinham da working class, mas ao contrário de alguns Mods, não faziam questão de se desvencilhar dela e assim seguiam um estilo que “parou” no tempo – mais especificamente nos anos 1950. Para os Mods, eles eram grossos, bárbaros, sem classe. E tinham orgulho disso.
O termo Rocker abrange muitas culturas diferentes – do Rockabilly sulista dos Estados Unidos, passando pelos metaleiros Headbangers até os criadores do Reggae jamaicano – mas no caso específico dos Rockers ingleses, no fim dos anos 60 a cultura estava praticamente morta. Alguns viraram Hard Rockers ou Headbangers, surgindo assim bandas como o Deep Purple e o Black Sabbath e outros viraram hippies. No fim, ocorreu uma convergência entre antigos Mods e Rockers, que envelheceram e se uniram nos novos movimentos que começavam a surgir no Reino Unido (primeiro a Psicodelia inglesa e depois o Rock Progressivo, o Hard Rock e o Heavy Metal).
O que bem exemplifica esta nova tendência é a resposta de Ringo Starr à um entrevistador que questiona se ele é um Mod ou um Rocker. "I'm a Mocker!", responde de bate-pronto o simpático baterista bigodudo dos Beatles. Obviamente, sempre há exceções e alguns seguiram firmes e resistentes no estilo de vida mesmo com o passar do tempo. Na música, um exemplo disso é Crazy Cavan. Ele preencheu o vazio Rocker de quase uma década entre o fim dos anos 60 até o Revival Rocker, do fim dos anos 70.
Tanto o movimento Mod quanto o Rocker foram revividos junto à explosão do Punk Rock inglês (que já tinha um gene Rocker em seu DNA) em 1977. Agora com a influência visceral do Punk e dos seus 3 acordes, uma nova leva de Mods e Rockers surgia. O primeiro, representado por bandas como The Jam, Purple Hearts, The Merton Parkas e Secret Affair. O som dos novos Rockers seguia sendo o Rock’n’Roll americano dos anos 1950, mas agora também haviam novas bandas e artistas, como o próprio Crazy Cavan, Levi Dexter, Robert Gordon e um pouco depois, os Stray Cats. Ambos revivals eram mais que influenciados pelo Punk, eles faziam parte do boom Punk e também se misturavam ao Punk Rock. No fim dos anos 70 era uma putaria só, havia porrada de novos Mods com novos Rockers, Punks com novos Mods, Punks com velhos Rockers, Punks contra Skins, Skins contra Rockers...
Além de ter influenciado Burgress a escrever - e depois Kubrick a dirigir – A Clockwork Orange, outro filme que retratou os tumultos juvenis causados pela rivalidade foi Quadrophenia - este de forma mais fiel e direta que a obra de Kubrick. Enquanto o primeiro era a adaptação de um livro, Quadrophenia se baseia no álbum homônimo do The Who (legítimos Mods em seus primeiros anos). Na obra de Burgress e Kubrick, os droogs comandados pelo camarada Alex Delarge eram um tipo de gangue Mod do futuro enquanto a turma de Billy Boy representava uma espécie de Rockers. No filme/álbum Quadrophenia, o protagonista, Jimmy Cooper, é um típico Mod e o clímax do filme se passa durante um enfretamento entre gangues, na praia de Brighton.
Os principais palcos das brigas entre Mods e Rockers se davam nas ruas das grandes cidades inglesas, nos estádios de futebol e nos bank holidays – resorts em municípios litorâneos da Inglaterra, como a já citada Brighton, Clacton e Margate - onde a juventude ia passar os finais de semana. Seus confrontos viravam notícia nos jornais locais. Entretanto, hoje se sabe que a rivalidade entre eles foi muito alimentada e exagerada pela cobertura da sensacionalista imprensa britânica na época. Alguns estudos e pesquisas mostram que Mods e Rockers não fizeram mais bagunça que tantos outros movimentos, subculturas, gangues ou o como queiram chamar. É possível notar este tipo de comportamento oportunista da mídia até hoje, aliás.
Como the only thing that matters é música, o melhor que pode ser tirado de tudo isso é a sonzera que essa gurizada proporcionou ao longo daqueles anos. Então como a gente aprende em jornalismo que se deve escutar os dois lados da história, taí o link de seis discos importantes e representativos. Eis uma última peleia entre Mods e Rockers:
MODS:(VA) The Decca Oirignal: The Mod Scene (1998)
The Creation - We Are Painterman (1967)
Secret Affair - Glory Boys (1979)
ROCKERS:
Gene Vincent & the Blue Caps - Bluejean Bop! (1956)Crazy Cavan 'N' The Rhythm Rockers - Rockabilty (1975) (senha: digyourpony)
Stray Cats - Stray Cats (1975)
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